É dura a vida sem teleprompter. Dilma Rousseff tem ótimas ideias quando lê o que seu marqueteiro escreve para ela dizer à nação. Nem é preciso decorar. Basta dar ênfase às palavras sublinhadas, sorrir quando a rubrica manda sorrir – e surge a estadista. Outro dia, a presidente tomou coragem e resolveu dar uma entrevista por ela mesma, na bucha, sem efeitos especiais. Era para a mídia impressa, então ninguém veria suas famosas pausas na busca aflita pela linha de raciocínio. Mas a coisa complicou mesmo assim. Alguém precisa urgentemente inventar o teleprompter 24 horas.
Na fatídica entrevista à Folha de S.Paulo, Dilma se soltou. “Eu tô misturada com o governo dele total”, disse, numa referência à administração do seu antecessor e padrinho. Nesse tom despachado, tipo estadista de beira de estrada, chamando a repórter de “minha querida” sempre que se irritava (tentando ser contundente sem o bendito letreiro do teleprompter), a presidente produziu uma pérola. Respondendo sobre a queda de sua popularidade, e as consequentes especulações em torno de uma volta de Lula à Presidência em 2014, Dilma disse: “Lula não vai voltar, porque ele não saiu”.
Se o marqueteiro presidencial assistia à entrevista, deve ter suspeitado que o grande momento chegaria. Na busca por tiradas espertas, numa espécie de arremedo brizolista (frases de efeito para não responder ao que é perguntado), Dilma já tinha dito coisas como “tudo o que sobe, desce” – para em seguida emendar, triunfal: “Tudo o que desce, sobe”. E isso acompanhado do gestual de malandragem, usando o dedo indicador para arregalar o olho puxando a pele para baixo, tipo “eu sei das coisas”. No que veio a pergunta sobre o retorno de Lula, ela não teve dúvida: rebateu com uma variação do famoso “a volta dos que não foram”.
A declaração de que Lula não voltará porque não saiu significaria, num país atento e saudável, um fim de linha. Uma admissão cabal e inequívoca de nulidade – a maior autoridade da República desautorizando publicamente a si mesma. A patética confissão de uma marionete. O Brasil passou os últimos dois anos e meio cultivando fetiches para dar recordes de aprovação a Dilma: as mulheres no poder, a grande gestora que enquadra os políticos, a “presidenta” que fala menos (do que Lula) e faz mais, a faxineira ética que não tolera os métodos duvidosos do seu antecessor, a “gerentona” que domou o PT etc. Enquanto o Brasil vivia feliz da vida esse delírio, Dilma agia como se Lula fosse um retrato amarelado na parede. “No meu governo mando eu”, e daí para cima.
De repente, num soluço das pesquisas de opinião, a carruagem vira abóbora. A Cinderela dos oprimidos volta à condição de serviçal e revela a fada madrinha barbuda (ou bigoduda). Ninguém entendeu mal, ninguém ouviu errado. Dilma declarou espontaneamente, sem teleprompter, que Luiz Inácio da Silva nunca saiu da Presidência da República. Não é uma dedução. A pergunta era sobre uma possível volta de Lula à Presidência. Portanto, Dilma declarou que “ele não saiu” da Presidência. Se ela não sabe o que diz, não pode presidir um país. Se sabe – pelo significado do que disse –, também não pode.
O Brasil, por alguma razão misteriosa, se recusa a ver é que Dilma é o Celso Pitta de Lula. Uma personagem inócua, eleita por um país irresponsável, para guardar o lugar do PT e seus sócios na mina de ouro do Planalto. O resultado disso é um governo faz de conta, em que o titular de fato circula por aí fazendo lobby, e a titular de direito solta balões de ensaio para distrair a plateia. Um governo que mente à luz do dia sobre suas próprias contas, que vem anunciar um corte orçamentário de fantasia, quando, na realidade, acaba de gerar o pior resultado fiscal desde o governo passado, avacalhando progressivamente a meta de superavit. Na mesma entrevista, a presidente que é mas não é defende seu ministro da Fazenda, ridicularizado mundo afora, para negar a evidente escalada inflacionária.
Quanto vale a retórica oca de uma autoridade sem poder?
Esse poder emana de um povo que sai às ruas sem saber por quê. Quem sabe o papa Francisco não dá uma passadinha no Palácio e resolve essa bagunça?
ARTIGO: GUILHERME FIÚZA
Na fatídica entrevista à Folha de S.Paulo, Dilma se soltou. “Eu tô misturada com o governo dele total”, disse, numa referência à administração do seu antecessor e padrinho. Nesse tom despachado, tipo estadista de beira de estrada, chamando a repórter de “minha querida” sempre que se irritava (tentando ser contundente sem o bendito letreiro do teleprompter), a presidente produziu uma pérola. Respondendo sobre a queda de sua popularidade, e as consequentes especulações em torno de uma volta de Lula à Presidência em 2014, Dilma disse: “Lula não vai voltar, porque ele não saiu”.
Se o marqueteiro presidencial assistia à entrevista, deve ter suspeitado que o grande momento chegaria. Na busca por tiradas espertas, numa espécie de arremedo brizolista (frases de efeito para não responder ao que é perguntado), Dilma já tinha dito coisas como “tudo o que sobe, desce” – para em seguida emendar, triunfal: “Tudo o que desce, sobe”. E isso acompanhado do gestual de malandragem, usando o dedo indicador para arregalar o olho puxando a pele para baixo, tipo “eu sei das coisas”. No que veio a pergunta sobre o retorno de Lula, ela não teve dúvida: rebateu com uma variação do famoso “a volta dos que não foram”.
A declaração de que Lula não voltará porque não saiu significaria, num país atento e saudável, um fim de linha. Uma admissão cabal e inequívoca de nulidade – a maior autoridade da República desautorizando publicamente a si mesma. A patética confissão de uma marionete. O Brasil passou os últimos dois anos e meio cultivando fetiches para dar recordes de aprovação a Dilma: as mulheres no poder, a grande gestora que enquadra os políticos, a “presidenta” que fala menos (do que Lula) e faz mais, a faxineira ética que não tolera os métodos duvidosos do seu antecessor, a “gerentona” que domou o PT etc. Enquanto o Brasil vivia feliz da vida esse delírio, Dilma agia como se Lula fosse um retrato amarelado na parede. “No meu governo mando eu”, e daí para cima.
De repente, num soluço das pesquisas de opinião, a carruagem vira abóbora. A Cinderela dos oprimidos volta à condição de serviçal e revela a fada madrinha barbuda (ou bigoduda). Ninguém entendeu mal, ninguém ouviu errado. Dilma declarou espontaneamente, sem teleprompter, que Luiz Inácio da Silva nunca saiu da Presidência da República. Não é uma dedução. A pergunta era sobre uma possível volta de Lula à Presidência. Portanto, Dilma declarou que “ele não saiu” da Presidência. Se ela não sabe o que diz, não pode presidir um país. Se sabe – pelo significado do que disse –, também não pode.
O Brasil, por alguma razão misteriosa, se recusa a ver é que Dilma é o Celso Pitta de Lula. Uma personagem inócua, eleita por um país irresponsável, para guardar o lugar do PT e seus sócios na mina de ouro do Planalto. O resultado disso é um governo faz de conta, em que o titular de fato circula por aí fazendo lobby, e a titular de direito solta balões de ensaio para distrair a plateia. Um governo que mente à luz do dia sobre suas próprias contas, que vem anunciar um corte orçamentário de fantasia, quando, na realidade, acaba de gerar o pior resultado fiscal desde o governo passado, avacalhando progressivamente a meta de superavit. Na mesma entrevista, a presidente que é mas não é defende seu ministro da Fazenda, ridicularizado mundo afora, para negar a evidente escalada inflacionária.
Quanto vale a retórica oca de uma autoridade sem poder?
Esse poder emana de um povo que sai às ruas sem saber por quê. Quem sabe o papa Francisco não dá uma passadinha no Palácio e resolve essa bagunça?
ARTIGO: GUILHERME FIÚZA
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