Por Gregorio Duvivier
Todo dia uma palavra morre e a gente não se dá conta. Ao contrário das pessoas, que por vezes morrem de desastre, as palavras só morrem aos poucos, devagarinho, cada dia um pouco –à medida em que as pessoas que as usavam vão morrendo também. Minha avó, por exemplo. Tenho certeza de que levou junto com ela a palavra "lorota".
Há uma multidão de palavras pelas quais nada mais se pode fazer: já habitam o subterrâneo das palavras findas. O coração parou, o cérebro também, o médico declarou o óbito e o padre fez a extrema-unção. Provecto. Linfa. Ergástulo. Patego. Algumas, claro, são natimortas: Lorpa. Trenguice. Lordaço. Não adianta bisturi ou eletrochoque –nada no mundo vai resgatá-las.
Algumas, para não morrer, reinventaram-se. Trocaram de sexo, de nome e de profissão. A palavra "zoeira" já significou barulho: hoje significa troça. Não é o caso da palavra "troça", tadinha, que tá nas últimas –apesar de tão gozada.
O verbo gozar, no entanto, se reinventou. Trabalhava no ramo do humor, hoje tá no ramo do prazer –taí um cara que sabe aproveitar a vida. A palavra "impagável" não teve a mesma sabedoria. Perdeu a graça: antes designava o hilariante, hoje designa a dívida do Estado do Rio, tadinha, tão desenxabida –outra palavra moribunda.
Há palavras, no entanto, pelas quais ainda vale lutar. A palavra "cacareco", por exemplo, tá na UTI. Pros jovens que não chegaram a conhecê-la, cacareco é uma coisa velha, já sem utilidade. Sim, a própria palavra cacareco virou um cacareco.
Está longe de ser o único cacareco da linguagem. Pense quando foi a última vez que ouviu que a situação está um despautério, que fulano tá borocoxô, que tal roupa é uma coqueluche, que fulana é uma songamonga.
O hospital das palavras está cheio –e ninguém nem sequer vai visitar as enfermas ("enfermas": taí outra palavra dodói). Elas não têm orgulho. Pra reavivá-las, basta chamar em voz alta que elas voltam serelepes, faceiras –acabou de acontecer com as palavras "serelepe" e "faceira".
Precisamos fazer uma força-tarefa pra salvar a palavra "força-tarefa". Junto com as palavras morrem também as coisas –e às vezes é impossível saber quem morreu primeiro, se a palavra ou a coisa.
Paramos de falar alpendre porque as casas deixaram de ter alpendre ou as casas pararam de ter alpendre porque já ninguém sabia o que era um alpendre?