Por: Teto Machado, OFS
Somente Deus é absoluto, supremo!
Dito isso, tudo o que se construir no decurso da História é relativo, é formulação contextualizada. Mesmo quando se mantém certas premissas válidas, como pérolas, tesouros da tradição, não deixam de terem sido erguidas num dado contexto influenciado por circunstâncias específicas que não se eternizaram, nem foram repetidas nos séculos que se seguiram.
Na Igreja, certos guardiões da tradição, a todo custo, desafiando os tempos e sua implacável ação, reverberam impropérios aos ventos, na pretensão de negar o irrefutável, com a pecha de "modernistas", "relativistas". Uma novidade para eles: a modernidade chegou, sim! O contemporâneo relativizou, sim, muitos discursos e, inclusive, eles, jurássicos do pensamento! Não adianta a postura de avestruz com a cabeça enfiada no buraco ou a gritaria histérica dos insensatos.
O pior é quando, no interior da Igreja, discursam como teólogos, sem possuírem a cátedra para tal função, sem um mínimo de formação e competência. Falam sozinhos, nos púlpitos de algumas Igrejas, programas de TVs ou em gravações nas redes sociais. Não resistem quinze minutos, num debate ao vivo, com teólogos de quilates superiores. aliás, temem essa possibilidade e a evitam. Com ares de autoridade teológica, um conhecido sacerdote, ao defender a prática do batismo de crianças no catolicismo, alegou a autoridade suprema da Igreja, como justificativa principal.
Por infelicidade dele, citou o Credo Apostólico como base da fé. Apegou-se ao "Creio na Santa Igreja Católica" como anterior e ponto maior que a crença na Bíblia, na Palavra de Deus, para argumentar contra o discurso evangélico. Dizia ele que, se o credo não cita a Bíblia, mas cita a Igreja, a crença nesta encontra-se acima da fé nas Escrituras. A capciosidade do argumento é gritante. Aliás, na formulação do Credo Apostólico, rezado nas catacumbas, nos primeiros séculos do Cristianismo, encerrava-se a fórmula na frase: "(...) de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo!". A segunda parte é tardia, acrescida séculos depois.
A absolutização da instituição eclesial e de suas formulações para justificar seus atos históricos é um recurso falacioso e muito perigoso. A referência às chaves do Céu e da Terra não transfere, para a Igreja, os direitos e poderes, muito menos a vontade de Deus. A partir desse pressuposto, qualquer insano, ascendendo à Cátedra de São Pedro, ao decretar "ex-cátedra", a abolição da Lei da Gravidade, deveria obrigar todos à crença cega nesse absurdo.
Entre Deus o seu Reino, a Igreja é absolutamente relativa. Ela é um meio, um instrumento, um sacramento, não é um fim em si mesma, nem é o Reino de Deus.
Outro ponto é a absolutização doutrinária, sem adequação ao espírito da misericórdia. Repetem com a doutrina, as mesmas atitudes condenadas por Jesus nos fariseus e saduceus, quanto ao seguimento cego da Lei.
Jesus fala de um Deus que perdoa, acolhe, abraça, ama, cura, abençoa e os novos "inquisidores" defensores da fé e da sã doutrina condenam, excluem, rechaçam, ex-comungam,, amaldiçoam. Afinal, estamos falando do mesmo Deus, do mesmo Jesus?
Creio que não.
Os pontificados de Karol Woytyla e Ratzinger, buscaram atuar no interior da Igreja, rearticulando forças cismáticas, restauracionistas, grupos derrotados nas sessões do Concilio Vaticano II, tentando lançar pontes de reconciliação. A atual Fraternidade São Pio X, criada para abrigar os "desexcomungados", com seus tentáculos espalhados pelo mundo, continua o serviço para o qual foi chamada, a saber, a dissensão, a divisão, o veneno da desobediência. Com seus afiliados aqui, espalham a intriga e a cizânia, no seio eclesial. Parte deles as famigeradas expressões extemporâneas "modernistas" e "relativistas". Vindo de quem vem, dirigidas a aos simples cristãos católicos, devem ser tomadas como elogios.
Os cismáticos, seguidores de Lefreve, excomungados por Paulo VI, quando saíram, arrebanharam um grupo não tão numeroso, mas facilmente identificável. As ações de Bento XVI, resultantes na penetração desse grupo no seio eclesial, podem causar danos bem maiores, que no passado. Caminhará para o cisma, a divisão, do mesmo modo, só que arrebanhando muito mais rebeldes, em nome da ortodoxia.
Quando questões de metodologia na produção teológica, a Teologia da Libertação sofreu restrições, muitos sacerdotes e religiosos submeteram-se dizendo que seria melhor errarem junto com a Igreja, que acertarem sem ela.
Os devocionistas cismáticos, quando o Sínodo da Família foi convocado, anunciaram que, por toda a Europa, caso o Papa Francisco não interferisse para garantir a ortodoxia da Igreja frente a temas como divorciados e Eucaristia, modelo familiar e exclusão dos homossexuais, estimulariam a saída da "verdadeira" Igreja de Cristo, da obediência Romana e ao Papa Francisco, a quem chamam de modernista e relativista. Consideram Papa, ainda, Bento XVI, o emérito. Curioso e preocupante.
Caminham na direção contrária do Concilio Vaticano II, ao qual chamam de Pastoral e não Dogmático, portanto, sem a rigidez do seguimento. Os derrotados do Concílio, restaurados, continuam oposição ao mesmo.
O restauracionismo ultramontanista remonta seu discurso ao século XIX, quando os avanços da ciência, do pensamento filosófico e político relativizaram verdadeiramente os conceitos de autoridade e governo assentados no discurso teocrático, na fé destituída de razão, quando as influências temporais da antiga Cristandade foram superadas definitivamente do convívio humano. Como reação desesperada contra a nova realidade que lhe reduziu poderes de interferência e ingerência nos assuntos seculares, a Igreja sistematizou a doutrina Ultramontanista, na prática e discurso em contradição com as doutrinas políticas em vigor, na época, criticando o espírito do mundo, o secularismo, realçando o que perdera exteriormente, no seu interior. Agigantou o papel do Papado, aprovando, não sem resistências, a doutrina da Infalibilidade e condenando o Liberalismo, as liberdades individuais e de imprensa, como males do mundo moderno. Passos perigosos que apontam na direção da absolutização da Instituição, das regras, dogmas e das autoridades. Toda discordância seria punida com o anátema, a maldição da "excomunhão" (sic).
O Papa Paulo VI, após os conflitos causados pelo Concilio Vaticano II e suas transformações haverem sido mitigados, pronunciou as célebres palavras, entristecido, de que o "fumo de Satanás" havia adentrado no recinto da Igreja. Outras interpretações à parte, creio referir-se a Lefreve e seu séquito. A quebra da unidade, a resistência ao Espirito Santo renovador e conciliador, a oposição ao ecumenismo, visto como perda de identidade e conivência com a "heresia protestante", a rejeição do novo rito litúrgico, constituiriam a ação do espírito maligno entre os católicos.
Em tempos de misericórdia, quando as pontes são mais importantes e necessárias que os muros, é preciso cautela e discernimento para que o meio não seja transformado em fim, a Igreja não seja substituta do Reino, a Instituição, na pretensão de ser porta-voz, não se torne, ela, o próprio Deus. Eis o risco da idolatria.
(Teto Machado é pseudônimo do professor Wellington Machado Ferreira, membro da Ordem Franciscana Secular e da Academia Itapetinguense de Letras).
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